Presidente nacional da OAB, Marcus Vinicius Furtado
afirmou que a corrupção dos homens públicos nasce exatamente nas eleições.

Na semana passada, a
Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) voltou a mostrar o peso de sua tradição em
defesa da democracia.
Recebido em audiência
pela presidente Dilma Rousseff , o presidente nacional da OAB, Marcus Vinicius
Furtado, conseguiu demovê-la da ideia de uma Constituinte restrita,
argumentando que esse mecanismo só é válido em caso de ruptura institucional.
Mas endossou a
proposta de realização de um plebiscito para encaminhar ao Congresso os pontos
essenciais da reforma política. Ele afirmou ao Brasil Econômico que a corrupção
dos homens públicos no país nasce exatamente nos vícios do processo eleitoral.
E apontou o remédio: "O Caixa 2 é crime e deve ser punido rigorosamente,
com a prisão e a cassação do mandato".
Qual foi o argumento que o senhor usou para demover a
presidente Dilma Rousseff da ideia de convocar uma Constituinte restrita sobre
a reforma política?
Em primeiro lugar, é
preciso esclarecer que a presidente deixou claro que não estava no âmago da sua
proposta fazer ou não uma Constituinte. O que mais importava a ela era realizar
o plebiscito, a consulta popular. Então demonstramos para ela que, se o
principal objetivo era fazer o plebiscito, o mais adequado seria consultar o povo
diretamente sobre qual a reforma política que o povo quer, e não convocar um
plebiscito para que o povo delegasse a um órgão constituinte a efetivação dessa
vontade popular. Seria bem mais interessante canalizar a energia que seria
utilizada no debate sobre a convocação da Constituinte para a consulta direta
ao povo. Qual a reforma política que ele quer? Nosso argumento foi esse, o
argumento da efetividade, e o argumento da celeridade na aprovação da reforma.
Isso foi o que mais convenceu a presidente. Mas também pusemos na mesa o
argumento de que uma Constituinte só pode ser instalada em momento de
instabilidade ou ruptura institucional.
Por que se aplica apenas a essas situações?
Porque é algo muito
perigoso, é um cheque em branco no sentido do poder de alargamento da
competência que toda Constituinte possui por princípio. Uma Constituinte,
embora convocada para determinada matéria, tem como característica ou princípio
a capacidade ou o poder de ampliar a sua competência. Por exemplo, a
Constituinte poderia dispor sobre os direitos e garantias individuais. Poderia
concluir que limitar a liberdade de expressão é importante para uma política
mais adequada no Brasil. E propor mudanças a partir da tese de pertinência
temática de diversos pontos da Constituição. Com isso, você colocaria as
garantias e os direitos em risco. Por isso que toda Constituição - e a
Constituição brasileira não foge à regra - prevê a possibilidade da convocação
de Assembleia Constituinte em casos de mudança institucional.
O senhor acha que o povo tem informação suficiente para
decidir num plebiscito se o ideal para nosso país é o voto distrital misto ou o
voto em lista? Não são temas muito complexos para submeter a uma decisão
plebiscitária?
A ideia é que se faça
uma campanha de esclarecimento em cadeia de rádio e televisão, como foi feito,
em 1993, no plebiscito sobre os temas Monarquia e República, Parlamentarismo e
Presidencialismo. Isso também será feito agora com espaço para diferentes
frentes de opinião. As frentes temáticas a favor do sistema A e do sistema B
poderão apresentar suas ideias e propostas no rádio e na TV, esclarecendo a
população. O povo brasileiro já votou sobre um tema muito mais complexo, como o
caso do sistema de governo.
Há também o problema da corrida contra o tempo. Se o
plebiscito for realizado em outubro, não haverá tempo hábil para que a reforma
política seja aplicada já na eleição de 2014.
Certo, mas, para
respeitar a anualidade em mudanças de legislação eleitoral, nós propusemos ao
governo que o plebiscito seja realizado ainda no mês de agosto. Assim, haverá
prazo para que o Congresso Nacional, no mês de setembro, possa legislar e
implementar a resposta plebiscitária. Nossa sugestão foi recebida com simpatia.
Quer dizer, a realização do plebiscito no mês de agosto foi avaliada como
interessante pela presidente da República e pelos demais presentes na reunião.
Não posso anunciar uma decisão de governo, mas nossa proposta de calendário
pode ser adotada pelo governo. Plebiscito em agosto e tramitação da reforma
política no Congresso em setembro. Com a pressão de um plebiscito popular, há o
sentimento de que o Congresso Nacional irá agilizar seus trabalhos.
Há outro ponto importante: quem vai definir as perguntas
a serem feitas aos eleitores? O Executivo ou o Legislativo?
Essa é uma decisão do
Congresso Nacional, que vai deliberar junto com a presidente da República e
seus ministros. No caso da pergunta do plebiscito de divisão do Estado do Pará,
a pergunta foi feita pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). É interessante que
a pergunta fique no âmbito do TSE, porque o Tribunal saberá fazer perguntas
claras. Não queremos uma linguagem técnica e jurídica, mas uma linguagem que
seja acessível a todos os brasileiros. E que expresse todas as opções em debate
sobre os vários temas.
A OAB iniciou uma campanha por eleições limpas. Um dos
itens que o senhor defende é o financiamento público nas campanhas?
No nosso projeto,
predomina o financiamento democrático porque vai além do financiamento público.
Prevê também o financiamento por pessoas físicas e exclui a contribuição por
parte de empresas. A doação das pessoas físicas teria o limite de R$ 700, mas,
no debate, pode ser ampliado ou diminuído. Propusemos algo próximo ao salário
mínimo. Importante é que haja um limite estabelecido, para que se evite que
alguém com condições financeiras elevadas possa desvirtuar as eleições.
Alguns especialistas afirmam que o financiamento público
não impedirá a utilização de caixa 2. O senhor concorda com essa opinião?
A questão deve ser
tratada da seguinte forma: o atual sistema eleitoral brasileiro estimula o
caixa 2; no novo sistema, o caixa 2 não será decisivo nas eleições, como é
hoje. As pessoas de bem, que querem ingressar ou continuar na política, não
necessitarão vender as suas almas para seguir na política, não necessitarão
fazer negociatas para receber caixa 2. O sistema atual quase que não deixa
opção, salvo honrosas exceções. Em segundo lugar, chega o momento numa campanha
eleitoral que dinheiro a mais não tem caráter tão decisivo. Hoje, no Brasil,
quem tem caixa 2 faz grandes campanhas e os outros não têm campanha alguma.
Daí, quem tem o caixa 2 acaba sendo o único que aparece na propaganda política
com as suas propostas e ideias. Com o financiamento democrático, todos terão o
mínimo de competitividade, terão o direito a participar. E a população
identificará aqueles que estão exercendo a campanha de forma multimilionária,
ou de forma desproporcional. A população irá desconfiar desses políticos.
E o que pode ser feito para coibir o caixa 2?
A gente passa a
prever no nosso projeto de lei, como crime, as despesas não contabilizadas de
campanha - ou seja, o caixa 2. Hoje, o caixa 2 eleitoral é tão estimulado no
Brasil que acaba virando argumento de defesa, de prática penal. No nosso
projeto, ele passa a ser crime, apenado com três a oito anos de prisão. Nós
queremos que, em verdade, o caixa 2 passe a ser crime e resulte na cassação de
mandato. Além do que, como nós vamos na segunda proposta diminuir o número de
candidaturas, será efetiva a fiscalização por parte da Justiça Eleitoral.
Há quem diga que a reforma política não era bandeira das
manifestações de rua. Falava-se de outras questões, como a qualidade dos
transportes, da saúde e da educação. E, de repente, a reforma política teria
sido posta em primeiríssimo plano, para desviar dos outros temas. O senhor
concorda?
Não concordo. O
combate à corrupção é uma das principais bandeiras das manifestações. E quem
entende do sistema político no Brasil sabe que o cerne da corrupção
administrativa está na corrupção eleitoral. A relação incestuosa e indevida
entre empresas e candidatos na campanha eleitoral acaba por repercutir na
administração pública. De outro lado, os administradores públicos acabam se
submetendo a práticas indevidas na relação com empresas para fazer caixa de
campanha para as eleições seguintes. Ou se acaba com essa bola de neve fazendo
uma reforma política, ou estaremos sempre combatendo as consequências do
sistema hoje existente, e não a causa. Fazer a reforma política significa
combater a causa da corrupção no Brasil. Ou pelo menos criar um sistema que não
estimule a corrupção.
A OAB tem posição em relação ao sistema de voto - voto
distrital, voto em lista, distrital misto?
A primeira posição é
que entendemos que não se deve alterar a Constituição da República. Portanto,
nenhuma mudança de sistema deve implicar em alteração do marco constitucional,
já que a Constituinte foi descartada. Nosso entendimento é de que devemos
implementar com modificações na lei.
Mas qual seria a proposta?
Manter o sistema
proporcional de eleição. Ou seja, não implantar o sistema distrital, mas um
sistema proporcional diferente do que é hoje. Da forma que temos o sistema
proporcional hoje, o cidadão que vota no Tiririca elege também três, quatro,
cinco outros candidatos nos quais o cidadão não quis votar. É preciso criar um
sistema que acabe com esse tipo de efeito. Não vai aqui qualquer crítica ao
deputado federal Tiririca, que foi eleito legitimamente. O exemplo serve apenas
para simbolizar que o povo votou nele e elegeu outros tantos que não sabia que
estava elegendo. O que existe hoje é uma relação obscura, não é algo
transparente. Por isso que nós chamamos nossa proposta de voto transparente.
E como vai funcionar?
A eleição para o
Congresso seria em dois turnos. No primeiro, o voto iria apenas para a legenda
dos partidos. Então, o partido teria que mostrar suas propostas, ideias,
convencer que merece o voto. Mas nesse primeiro turno não seria definido quem
são os eleitos, apenas quantas vagas cada partido teria. No segundo turno seriam
votados os candidatos dos partidos. Digamos que um partido consiga no primeiro
turno quatro vagas de deputado federal, mas quem seriam esses eleitos? Isso
seria decidido no segundo turno, quando a população elegeria diretamente os
quatro deputados, e não a máquina partidária.
A OAB apoia a decisão do Congresso de transformar a
corrupção em crime hediondo?
Compreendemos que ela
objetiva dar resposta à reclamação da sociedade, mas nós temos segurança de que
essa ideia não terá grandes consequências no combate à corrupção. Quer dizer, o
Brasil precisa mesmo é da aplicação das leis penais existentes. Precisamos
combater a impunidade e aplicar a lei. O agravamento das penas não costuma
resultar em grandes ganhos no combate à criminalidade. De todo modo, a Ordem
não se opõe, ela apenas não compreende que essa medida por si só vá trazer
grandes êxitos no combate à criminalidade.
Quando o senhor fala que o agravamento das penas não
resultam em grande ganhos...
A corrupção no Brasil
já é crime, certo? A questão não está no tamanho da pena do crime de corrupção.
A questão está na aplicação da pena hoje existente. Quantos são os que hoje são
condenados por esse tipo de crime? Muito poucos. Você tem muitas acusações,
muitas denúncias, mas pouca condenação. Então, talvez o mais adequado fosse
estimular que os processos de crime de corrupção fossem julgados com
celeridade, criando turmas específicas. Ou seja, a aplicação da pena existente
é mais eficaz para o combate ao crime do que o agravamento da pena. Isso é
menos uma opinião política e mais uma constatação técnica de quem estuda o
combate ao crime. Mas a Ordem também não se opõe a que a corrupção se torne
crime hediondo.
O que mais foi apresentado à presidente Dilma?
Nós propusemos à
presidente, e ela acolheu também, que fosse criada no âmbito da Presidência da
República uma comissão para a elaboração do Código de Defesa dos Usuários de
Serviços Públicos. Isso é muito importante para que o usuário tenha com quem
reclamar, para que o cidadão tenha como dar vazão a suas insatisfações em
relação ao atendimento dos serviços públicos no Brasil.
Mas qual é a posição da OAB em relação às demandas
populares?
A Ordem é apenas uma
instituição que tenta dar vazão institucional às reivindicações, dar concretude
aos cartazes, à sociedade, mas sem se portar como dona da verdade. A OAB tenta
ler a vontade da sociedade para dar vazão institucional e canalizar essa energia
em favor de mudanças estruturais no Brasil.
Semana passada o presidente do Supremo Tribunal Federal
(STF), Joaquim Barbosa, propôs uma coisa que existe nos Estados Unidos, o
recall para políticos, quando se vota para decidir se o político deve continuar
com seu mandato, ou não. O senhor concorda com essa proposta?
A OAB tem uma posição
muito firme. Inclusive, apresentamos ao Congresso Nacional, há cerca de quatro
anos, um projeto de lei de iniciativa de nosso jurista Fabio Konder Comparato,
que amplia a participação da população na vida política. E na proposta da OAB
está justamente o recall, ela trata do plebiscito, do referendo e alarga as
possibilidades de consulta da população. Faz parte do ideário político da OAB a
defesa do recall.
O senhor falou desse projeto da OAB que está no Congresso
há quatro anos. Isso acontece com muitos outros projetos. Agora, vários temas
estão sendo tratados com uma urgência urgentíssima, por pressão das ruas. Está
havendo exagero nessa reação? Um certo açodamento?
Eu verifico que o que
está acontecendo hoje deveria acontecer sempre. Ou seja, o Congresso Nacional,
a Presidência da República, os entes governamentais, os representantes do povo,
devem estar atentos, constantemente, às reclamações populares e tratarem com
urgência as indicações da sociedade. Isso deveria ser uma constante em nosso
país, essa urgência com que os temas são tratados nesses dias. Todos são temas
urgentes e necessários. A população espera há muito tempo essa resposta por
parte de seus representantes. E agora ela tem se manifestado e o mínimo que
seus representantes podem fazer é, justamente, ouvir o recado das ruas e tentar
dar vazão e concretude às exigências da sociedade. E, claro, fazer isso com
equilíbrio, sem demagogia, sem por em risco a democracia brasileira, sem abalar
a nossa normalidade institucional.
O plebiscito, em si, é uma resposta suficiente para o
anseio por democracia direta, pela participação direta da população nas
decisões?
Com certeza. Se vocês
bem lembrarem, no Brasil não se discute mais sobre a questão de armas de fogo.
Porque foi feita uma consulta popular. Também não se discute mais se nós
teremos presidencialismo ou parlamentarismo. Foi feita a consulta popular. O
plebiscito tem uma função pacificadora da nação, porque a maioria vai dizer
qual o sistema que ela quer. Quando a maioria decidir, a questão será
implementada e nós teremos o sistema que a população quis. Já se disse que para
os males da democracia, a única cura é mais democracia. E mais democracia
significa participação popular. Quanto mais diretamente o povo exercer a sua
vontade, mais democrática a decisão.
Ainda em relação à reforma política, fala-se em
candidaturas avulsas na eleição do ano que vem, por fora dos partidos. A OAB
aprova?
As grandes democracias
do mundo se estabilizam por conta da existência de partidos. A questão, hoje,
do fosso de legitimidade, do déficit de legitimidade existente entre os
partidos e a população, decorre do fato de que os partidos se afastaram por
demais do povo e acabaram, por mais das vezes, prestando conta aos empresários
que financiam suas campanhas. Esse é o ponto. Nós apostamos que, com a reforma
política, poderemos ter partidos que de fato apresentem programas e defendam
suas ideias. Candidatura avulsa aponta para um sentido contrário do sistema
partidário. A experiência da história do mundo demonstra que a existência de
partidos representativos, sérios e estruturados, é importante para a
estabilidade da democracia.
Como a OAB viu a ação da polícia nesses dias de manifestações
de rua?
Em primeiro lugar, a
OAB defendeu a liberdade de manifestação. Em segundo, participamos de uma
reunião no Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, no qual a OAB
ocupa a Vice-Presidência, por força de lei. A presidente é a ministra Maria do
Rosário. Lá eu tive a oportunidade de participar da elaboração da resolução que
proibiu o uso de armas de fogo para reprimir manifestações. Também conclamamos
todos os governadores para que proibissem o uso de balas de borracha contra os
manifestantes. Defendemos a tese de que para lidar com as manifestações não se
pode ter a mesma tática da polícia que enfrenta criminosos ou bandidos. É óbvio
que pessoas que fazem vandalismo e saques são criminosos e devem ser tratados
com todo o rigor da lei. Mas essas pessoas significam uma ínfima minoria dos
milhares de manifestantes que foram às ruas.
Qual a proposta da OAB para o ressarcimento por danos?
A Ordem entende que a
lei civil brasileira prevê o ressarcimento por danos e também que a pessoa responda
na área penal pelos danos causados.
O novo ministro do STF, Luís Roberto Barroso, afirma que
a Justiça no Brasil ainda é uma justiça dos ricos. O senhor concorda?
Ele tem plena razão.
Infelizmente, a Justiça tem muitos obstáculos econômicos. Ela é muito cara,
inacessível à maior parte da população. Não deveria haver custos judiciais
porque é um serviço essencial. A Justiça deveria ser completamente gratuita,
principalmente para os necessitados. Entendemos que as defensorias públicas são
pessimamente estruturadas na maior parte do país, os pobres acabam
desassistidos. Entendemos também que o Juizado Especial de Pequenas Causas faz
esforço no sentido do acolhimento das pessoas pobres, mas há muito o que se
fazer para que a Justiça não seja só da elite, mas de toda a população.
Rui Barbosa dizia que "justiça que tarda é
injustiça". Há como tornar mais célere a Justiça no Brasil?
A OAB defende o
cumprimento de um princípio constitucional que é o da razoável duração do
processo. Temos que ter processos mais céleres no Brasil, sem contrariar o
direito de defesa, para evitar injustiças, mas temos que ter um processo menos
burocratizado do que hoje. Por isso, é importante que se discuta e se vote o
novo Código de Processo Civil. Assim poderemos ter um processo de resultados,
com a conclusão o mais rapidamente possível. A Justiça mais rápida significa a
pacificação social o quanto antes.
Portal IG
Nenhum comentário:
Postar um comentário